Trecho do diário de Adam McCoy;
“Dezenove de Novembro de 2009
E pensar que há pouco mais de dois meses eu era um rapaz normal. Bom... Normal na medida do possível. A verdade é que eu era uma espécie de nerd esquisito de St. Claire School. Andava com os inteligentes, hackers – e até mesmo alguns EMOs – e artistas do coral da escola, apenas sonhando com o momento em que seria alguém digno para conversar com David Coen, ou até mesmo com Alicia Check. E hoje posso ser considerado um deles. Jamais imaginei. Aliás, pensei que aquela seria uma segunda-feira daquelas, quando acordei completamente atrasado por sobre os gritos de minha mãe...”
- Adam! Adam! Desça logo! Você já está atrasado! – a Sra. McCoy surgiu na porta da cozinha. Era uma mulher rechonchuda e baixinha, que trazia consigo uma travessa repleta de panquecas recém feitas. Seu filho mais novo, que descia as escadas desajeitadamente, vestindo seu suéter verde-musgo, era o oposto. Alto e magricela, as únicas coisas que faziam as pessoas acreditarem em algum parentesco entre aquela mulher e o rapaz, era o fato de que possuíam os mesmos olhos escuros e pequenos, e cabelos incrivelmente negros formando ondulações por sobre a cabeça.
- Estou pronto, mãe.
- Ótimo. Lissa e Helena estão lhe esperando na entrada.
- Ok. Tchau mãe.
Ele ajeitou a grande mochila por sobre um dos ombros, mas não chegou a dar mais que dois passos. Sua mãe deixou escapar um pigarro significativo, que o fez revirar os olhos por um instante – tendo a certeza que ela não estava vendo – e voltar para lhe dar um beijo na bochecha.
- Boa aula, meu bem. – ela murmurou sorrindo.
- Valeu.
Adam ajeitou mais uma vez seu suéter de lã por sobre seu corpo magricela e abriu a porta para o dia consideravelmente chuvoso que lhe esperava. Diante da porta, duas garotas estavam paradas sem conversar, apenas fitando curiosamente a madeira escura da porta da casa dos McCoy. Uma delas, Lissa Foster, tinha seus cabelos compridos, negros e ondulados, e a pele morena de latina. Usava roupas descombinadas e com cores pastéis, distribuídas em uma saia comprida e uma blusa de mangas três-quartos. Como em todos os dias de sua vida, havia no pescoço de Lissa uma câmera profissional pendurada. A seu lado, a menina de nome Helena Heetch também utilizava roupas incrivelmente descombinadas, que doíam verdadeiramente aos olhos de Adam. Mas, ao invés da câmera pendurada em seu pescoço, um óculos grande e de armação preta lhe enfeitava o rosto adornado por cachos dourados. Em seus braços, uma pilha de livros lhe fazia companhia.
- Bom dia. – ele murmurou.
As meninas acenaram com a cabeça, mas olharam para seus próprios sapatos baratos e não responderam nada além de grunhidos de confirmação.
- Vamos passar na casa de Dean ainda?
Lissa acenou positivamente com a cabeça, ainda fitando desconfortavelmente seus sapatos fora de moda. Helena, por outro lado, apenas abraçou os livros mais fortemente contra si. Não gostava de contato com outras pessoas. Fosse um abraço, ou apenas uma pergunta.
Adam revirou os olhos, andando calmamente na frente das garotas, que iam caminhando de modo suave e leve, como se estivessem flutuando por sobre o asfalto escuro. Caminharam pouco mais de dois quarteirões, até alcançarem uma casa totalmente feita de madeira escura.
Saindo pela porta da frente, havia um rapaz de cabelos escuros e bagunçados. Era tão magro quanto Adam e tinha os mesmos olhos analíticos do mesmo, mas acinzentados. Eram primos de segundo grau.
- Timming perfeito. – ele exclamou, saltando na calçada diante de Adam.
- Um dia você chega lá. – o primo respondeu, estalando a palma de sua mão na de Dean Windsor. As duas garotas assistiram a cena sem dar nenhuma palavra. Nem mesmo quando Dean as cumprimentou com uma exagerada reverência.
Andaram os quatro sem trocar muitas palavras, apesar da insistência de Dean para ouvir a voz de alguma daquelas duas garotas, desde que as havia conhecido. Lissa na classe de Biologia e Helena na de física. Quando estavam a menos de três quarteirões do St. Claire, o garoto de olhos acinzentados e nome Dean parou subitamente e exclamou:
- Eu tive uma idéia incrível. Esta noite.
- Tem haver com sexo? – Adam perguntou casualmente, e as meninas arregalaram os olhos, corando furiosamente.
- Não. Tem haver com acabar com a imagem de Alicia Check.
- Céus, você ainda está com isto na cabeça?
- Pode crer. Não gosto dela.
- Você nunca falou com ela, Dean – Adam revirou os olhos, mudando sua mochila de ombro. Seu primo parou bruscamente, fazendo com que ele se virasse para trás para ver a expressão petrificada que ele exibia. As garotas fizeram o mesmo movimento.
- Você a está defendendo?
- Não. Detesto-a também. Mas não vou ficar pensando em como acabar com a vida dela.
- Eu vou. Não tenho como me divertir mesmo.
- Conte sua droga de idéia, Dean.
- Vamos escrever um jornal anônimo. E vamos contar tudo o que ela faz de errado.
- Tipo o que? Aquela garota é quase um anjo.
- É, com as curvas da Angelina Jolie.
- Seja o que for, Dean, você nunca conseguirá podres sobre aquela garota. Escreva em seu jornal isto que eu estou dizendo.
- Claro que vou. Você acha que ela é um completo anjo? Perdeu a virgindade no colegial, segundo eu ouvi comentarem.
- Você está obcecado.
- Você está dentro ou não?
Dean parou para fitar o primo de modo incisivo, e por um instante Adam teve um calafrio a pensar na hipótese. Algumas horas depois, ele arrependeria profundamente de ter ignorado o arrepio que subiu por sua espinha naquele momento. Mas alguns meses depois, ele se sentia gratificado por tê-lo feito.
- Tudo bem.
- Ótimo. Escute o que vamos fazer: eu tenho as chaves do jornal da escola, e bastante influência por lá. Helena sabe escrever como ninguém, então ela pode fazer as matérias. E Lissa tem esta câmera, que é perfeita parar registrarmos todos os passos de...
- Não.
Os dois rapazes se viraram para a garota latina e calada atrás de si. Ouvindo-a falar pela primeira vez, Dean sentiu a vontade de sorrir, mas o que ela havia dito bloqueou qualquer tentativa de sorriso vinda do rapaz. Ela tinha a voz suave e com um leve sotaque espanhol.
- O que? – Adam perguntou.
- Não vou fazer isto. – ela murmurou, sem conseguir fitar os dois rapazes por mais de uma fração de segundo. Seus olhos se atraíram quase que magneticamente para seus sapatos baratos.
- Por quê?
- Eu não uso minhas fotografias para este tipo de coisa – ela disse de modo pausado, como se estivesse precisando de uma extrema coragem para dizer tudo aquilo. – É cruel, eu não quero fazer parte de nada disto.
- O quê? – Dean guinchou. – Como assim cruel? Você sabe quem esta garota é? Há uma foto dela ao lado da palavra ‘Cruel’ no dicionário.
- Não topo fazer isto.
- Eu... – Helena murmurou, e todos os olhares foram imediatamente atraídos para ela. Ela corou fortemente e ajeitou seu óculos. – Também estou fora.
- Ótimo – Dean revirou os olhos enquanto cruzava seus braços diante do corpo – Você pode, ao menos nos emprestar sua câmera, Lissa?
A menina olhou para Dean novamente, mas desviou os olhos assim que se encontraram com os azuis do rapaz. Pela feição incrivelmente pensativa da garota diante de Adam e Dean, ambos tiveram a certeza, por um momento, de que ela diria que não e sairia andando decidida. Mas recusar participar do plano de um dos únicos garotos que falavam com ela, era algo que havia requerido de Lissa toda sua coragem para negar o que lhe fosse pedido. Não lhe restara mais coragem alguma para negar o segundo pedido.
Ela fez que sim com a cabeça.
- Ótimo. Adam, você tira as fotos então.
- Eu?
- Claro. Eu vou estar ocupado, procurando saber todos os podres dela e ao mesmo tempo tentando escrever a matéria de um modo que fique pelo ao menos legível.
- Sou péssimo com câmeras.
- Se vire.
- Dean...
- Shiu! Está decidido. – Dean exclamou afinal, recomeçando a andar rumo ao Colégio St. Claire sem olhar para trás para encarar as feições atordoadas de Adam McCoy, Helena Heetch e Lissa Foster.
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