quinta-feira, dezembro 10

4 - Dean's Evil Plan

        - Você quer sair hoje a noite, linda? – Drew perguntou enquanto guiava Alicia em direção à classe de Matemática. Algumas pessoas que passavam por eles se encolhiam ligeiramente ao sentirem que a atenção direcionada àquele casal era demasiadamente grande.
        - Não posso – ela murmurou – Jantar de família. Você sabe como é.
        - Uma pena. Queria levar minha namorada em um lugar especial.
        - Chame-a então.
        Ele riu.
        - Ela está bem aqui.
        Antes, porém, que eles se beijassem mais uma vez, uma pessoa passou próxima a Alicia e esbarrou nela sem ter a intenção. Ela teve seu ombro levado bruscamente para trás e derrubou alguns de seus livros. Drew disse algo grosseiro para a pessoa que tinha esbarrado em sua namorada e puxou-a mais para perto.
        A pessoa simplesmente ajeitou sua mochila grande por sobre os ombros e direcionou-se novamente para dentro da sala de aula. Era um rapaz magricela, usando uma blusa com o símbolo de uma banda de rock que Alicia tinha a completa certeza de ser Guns N’Roses. Drew puxou o garoto pela blusa com força, fazendo com que ele tropeçasse em seus próprios pés revestidos por tênis velhos.
        - Você deve desculpas a alguém.
        - Drew... Não é necessário... – ela começou a falar, olhando para o rosto indignado de seu namorado. O rapaz magricela que tinha sua blusa por entre os dedos de Drew Josh revirou os olhos e murmurou rapidamente.
        - Que seja.
        Alicia olhou rapidamente para a pessoa que lhe havia feito derrubar seus grossos e pesados livros de Matemática. Era Dean Windsor, mais uma vez. Ela havia reconhecido por sua voz grossa e baixa, com um sotaque que ela não sabia ao certo determinar de onde era.
        - Não ouvi suas desculpas. – Drew rosnou.
        - Deixe para lá, Drew – Alicia murmurou, atônita. Tinha seus olhos fixos no rosto do garoto que seu namorado praticamente erguia diante dela. Dean percebeu que ela o observava e retribuiu o olhar analítico que sentia a garota despejando por sobre si. – Não vale a pena.
        - Você ouviu a menina, garotão. Deixe para lá – Dean murmurou risonho.
        Drew fechou sua mão em um punho, e Alicia sabia que se o professor não aparecesse logo, aquele punho estaria enterrado no nariz retinho de Dean. Ela deixou seus outros livros caírem ao chão e colocou-se entre os dois rapazes.
        - Chega, Drew.
        - Eu vou acabar com a raça deste insignificante!
        - Não, não vai – ela murmurou de modo incinsivo – Você vai para a sua sala. Agora.
        Como se fosse uma marionete controlada por fios invisíveis, Drew abaixou seu punho, relaxando seus dedos enquanto o fazia. Em seguida, deixou a blusa de Dean Windsor deslizar por entre seus dedos vagarosamente, até que ele caísse ao chão com um baque surdo. Com dificuldade, o rapaz magricela se equilibrou mais uma vez por sobre seus tênis surrados e arrumou sua mochila por sobre o ombro amarrotado de sua camiseta.
        - Vejo você mais tarde, linda. – Drew murmurou. Parecia pálido, e se alguém olhasse no fundo de seus olhos naquele exato momento, não veria nada. Nem sequer emoções. Ele parecia um boneco foragido do Museu de Cera.
        - Tudo bem. Tchau.
        Ele estalou seus lábios nos dela em um movimento robótico e girou por sobre seus calcanhares, desaparecendo pelo corredor.
       Alicia demorou um pouco para retomar seus movimentos. Acompanhou enquanto seu namorado desaparecia em meio ao corredor apinhado de alunos. Percebeu as dezenas de olhares por sobre ela enquanto ela se abaixava para pegar os livros que havia deixado cair ao chão e notou um olhar em especial, bastante próximo a ela.
Dean Windsor havia se abaixado e recolhia alguns dos livros da menina.
        Ela se levantou e esperou que ele também o fizesse. Estendia dois livros bastante grossos e pesados, com uma de suas mãos pálidas e compridas. Alicia estreitou os olhos para ele por um breve instante, antes de receber seus livros nas mãos. Em seguida, ela deu meia volta em torno do menino e direcionou-se a seu lugar.
        - Alicia?
        Ela não respondeu. Apenas olhou por sobre o ombro.
        - Hm... Me desculpe. Por trombar em você. - ele continuou.
        - Por que está falando comigo? Se sentiu mal por ter me tratado daquele modo e eu, ainda assim, impedir meu namorado de quebrar a sua cara? Pois saiba que agora serei exatamente tudo o que você imaginou que eu seria, Windsor – ela respondeu de modo cínico, dando as costas para ele em seguida. Ainda o achava um idiota.
        - Ótimo... – ele riu consigo mesmo, sentando em uma das cadeiras da frente.
        Adam entrou na sala pouco depois. Atrapalhado, tropeçando por sob os próprios cadarços desamarrados, ele andou cambaleante em direção à carteira vazia ao lado de um Dean incrivelmente carrancudo.
        - O que houve?
        - Alicia.
        - Ainda nessa? Viva a vida, Dean. Esqueça esta menina.
        - Ela é exatamente como eu pensei que era.
        - Quer dizer que você conversou com ela? Você, Dean Windsor, o rapaz esquisito que ouve bandas mais esquisitas ainda?
        - Caso não saiba, eu ouço rock. Clássicos dos anos 90.
        - Caso não perceba, é esquisito.
        - Quer que eu ouça o que? Lady Gaga?
        - Seria ótimo. E assim as pessoas não lhe tratariam como se fosse um roqueiro drogado qualquer... Você seria como eu.
        - É, todos duvidariam da minha sexualidade. Obrigado, Adam, prefiro ser considerado como um roqueiro drogado.
        - Você é quem sabe.
        O silêncio tomou conta da sala, aos poucos, quando o professor Williams passou pelo vão da porta. Seus sapatos de couro estalavam a sola contra o chão polido e ele soltava algun grunhidos esquisitos enquanto mancava desajeitadamente até sua mesa.
        - Eu ainda não acredito que você falou com Alicia. Não mesmo. – Adam sussurrou a seu primo, assim que o professor passou a fitar a sala com um olhar quase que assustador.
        - Quero ver os deveres que passei sobre logaritmos na aula passada. Quem não fez não precisa se dar ao trabalho de permanecer na sala – o Prof. Williams exclamou, e sua voz permaneceu rebatendo contra as paredes pelos segundos seguintes. – Rápido!
        O barulho exasperado dos alunos procurando por seus cadernos de Matemática invadiu as quatro paredes brancas e ásperas do local, seguido pelo barulho das folhas sendo passadas rapidamente, na busca da tarefa sobre logaritmos dada pelo professor na última aula.
        Dean respirou fundo pouco antes de abrir seu caderno em uma página marcada e repleta de números. Calmamente, tomando cuidado para que o professor manco, velho e rabugento não o pegasse conversando, ele começou a contar a seu primo como havia, pela primeira vez, conversado com Alicia Check. E como ela era tudo o que ele sempre imaginara.
        - Na verdade... – Adam murmurou, assim que Dean terminou seu discurso – Ela me pareceu gentil. Você que foi um completo idiota com ela.
        O rapaz fechou a cara.
        - Ah, vamos, Dean. Deixe disso.
        - Não. Eu e você vamos fazer aquela droga de jornal. Ela é exatamente como eu pensei, Adam.
        - Ela te salvou de uma surra.
        - Eu não iria apanhar daquele desmiolado – Dean revirou os olhos.
        - Ah, claro. Vocês iriam apenas resolver tudo amigavelmente. Por que é assim que todos os atletas fazem aqui na escola, certo? – Adam disse, suas palavras repletas de sarcasmo.
        - Não me importa o que você me diga. Eu ainda vou continuar com isto. E eis aqui meu plano: Você irá pegar a câmera de Lissa emprestada esta noite. Vai até a casa de Alicia e vai seguir todos os passos dela. Quando ela fizer alguma idiotice, você irá registrar e trazer para mim amanhã. Simples assim.
        - Como assim? Por que eu?
        - Minha mãe vai sair e eu preciso cuidar de Holly. – Dean murmurou, enquanto o professor marcava seu caderno com sua caneta vermelha. – Acredite, eu daria tudo para que fosse eu a fotografar os deslizes dela.
        - Não vou fazer isso.
        - Ah, vai sim.
        - Não vou.
        - Sim, vai.
        - Dean, chega. Não vou fazer isso, e nada que você diga irá me convencer!

sábado, dezembro 5

3 - Hallway

        - Abram seus livros na página 337 – anunciou a Profª Egan, uma mulher ruiva, de cabelos crespos e espessos, baixa, gorda e com menos noções de moda que Lissa e Helena juntas. Ouviu-se o ruflar das páginas contra os dedos dos vinte alunos naquela sala, acompanhado por um burburinho.
        A professora caminhou em direção ao quadro negro e, em letras garrafais, começou a escrever. Respirou fundo e murmurou enquanto o giz deslizava pelo quadro suavemente:
        - Hoje iremos estudar a história da arte.
        - Chato – alguém ao fundo murmurou. Risos foram ouvidos.
        - Srtª Check, tem algo a nos acrescentar?
        Os risos continuaram.
        - Não... – Alicia respondeu, trocando um olhar divertido com Torrance.
        - Já esperava.
        A sala foi gradualmente mergulhando em seu silêncio habitual. Alguns alunos abaixaram suas cabeças e mergulharam em um sono entrecortados por algumas palavras que a professora pronunciava aos gritos. Outros olharam para a janela e mergulharam em seus pensamentos fúteis e limitados. Alicia abriu seu caderno em uma folha qualquer e deixou que o lápis passeasse por sua superfície branca. Torrance colocou seus fones de ouvido e passou a escutar o último sucesso de Britney Spears. Todos pareciam ter coisas mais interessantes a fazer, todos com a possível exceção de Adam McCoy. Ele mantinha seus olhos fixos na Profª Egan, acompanhando de modo fissurado a cada palavra que ela dizia.
        - Ei, Al?
        Alicia retirou os olhos do caderno rabiscado diante de si e fitou os olhos escuros de Josh Connor. Ele tinha um grande sorriso nos lábios, e um canudo colorido por entre os dedos. Em cima da mesa de Josh, haviam papéis rasgados e um vidro de cola aberto.
        - Saca só – ele murmurou, levando o canudo à boca e mirando na nuca de um dos rapazes sentados à frente. Este tinha cabelos bagunçados, castanhos, usava uma blusa preta de banda e tinha seus fones de ouvido no volume máximo.
        Josh colocou a boca em uma ponta do canudo e soprou com toda a força de seus pulmões. Uma bolinha de papel amassado, repleta de cola escolar – e também com um pouco de cuspe – voou rapidamente pela sala, e se enterrou na nuca do garoto.
        Este deixou escapar um palavrão tão terrível, que a própria Torrance retirou seus fones de ouvido, no qual Britney gemia mais uma de suas músicas. A maioria dos alunos ergueu a cabeça para fitar a expressão severa da Profª Egan, que parecia ter levado um tapa na cara.
        - Dean Windsor – ela bufou. Por um breve instante, Alicia achou que a professora teria um AVC no meio da sala de aula. – Fora. Agora!
        Alguns risinhos percorreram o fundo da sala, quando Dean se levantou e andou de modo irritado em direção à porta. A professora Egan poderia até perfurar seu corpo magricela, se quisesse, apenas com o olhar que estava lançando. Antes de sair pela porta, porém, ele fitou demoradamente os alunos do fundo da sala. Seus olhos passaram por Josh Connor, que mantinha o canudo colorido balançando divertidamente por sobre seus dedos compridos, por Torrance, que já havia baixado sua cabeça novamente e escutava Madonna – só para variar um pouco – e pousaram em Alicia, que o olhava de modo preocupado.
        Pensou o quanto todos eles eram infantis.
        E saiu.
        - Você curtiu? – Josh perguntou a Alícia, um sorriso surgindo em seus lábios.
        - Cresça, Josh – ela murmurou, revirando os olhos. Em seguida ergueu uma das mãos. - Professora, posso ir ao banheiro?
        - Não se dê ao trabalho de voltar, Srta. Check – a professora murmurou, passando as mãos por seus cabelos crespos e ruivos. Estava irritada por ter sido interrompida pela segunda vez naquela mesma aula.
        - Com todo prazer – Alicia murmurou, levantando-se de sua cadeira e colocando sua bolsa por sobre os ombros. Saiu sem olhar para trás. Nem para Torrance, nem para Josh, nem para a Profª Egan. Nem mesmo para o menino magricela da primeira carteira, que acompanhava seus movimentos com o olhar.
        O corredor estava praticamente vazio. A não ser por Dean Windsor, que arrastava-se preguiçosamente, trazendo sua mochila atrás de si. Ele parou diante de um das centenas de armários verdes que coloriam consideravelmente o extenso corredor, e o abriu, girando algumas vezes o cadeado. Enquanto ele guardava seus livros de Arte cuidadosamente, Alicia passou a mão pelos cabelos e se aproximou.
        Ela ficou alguns instantes atrás dele, fitando sua nuca suja de cola. Olhou para o armário no qual ele mexia, decorado com alguns pôsteres dos Beatles. Ela recostou no armário ao lado dele.
        - Eu gosto dos Beatles.
        Dean se sobressaltou e encarou a menina com uma feição confusa. Não disse nada.
        - Me desculpe, por Josh. Ele é...
        - Apenas um popular qualquer, querendo a admiração de seus coleguinhas, também populares e fúteis. É, eu sei. – ele respondeu com uma voz rouca.
        - Eu iria dizer infantil...
        - Se me importasse com tudo o que vocês populares já fizeram a mim, já teria saído desta escola há tempos – ele murmurou, fechando seu armário com força. Alicia o fitou sem saber ao certo o que dizer.
        - Nós, populares? Não acha que está generalizando?
        - É o que eu faço.
        - Não somos todos assim.
        - Ah, claro. – ele respondeu com sarcasmo.
        - Por que está me tratando deste modo?
        - Ah, me desculpe, princesinha. Você está sempre acostumada a ser amada por todos ao seu redor, não é mesmo?
        - Eu...
        - E por que está falando comigo? Para se sentir melhor, já que seus amiguinhos zoaram com um perdedor? Ah, claro. Esta desculpa não cola comigo. E não me importa se você seja Alicia Check, ou até mesmo Angelina Jolie. Continua sendo uma deles. Popular, fútil e infantil.
        - Você está me julgando? – ela estreitou os olhos. – Porque eu odeio que me julguem.
        - Apenas uma conclusão que eu tirei ao longo dos anos.
        - Você não sabe nada sobre mim.
        Dean deixou escapar uma risada sarcástica e murmurou um ‘É claro’. Em seguida, jogou sua mochila novamente por sobre o ombro e deu as costas para Alicia. Foi embora sem dizer mais nada, ou olhar para trás.
        Ela percebeu, indignada, que o sinal havia batido, e que as pessoas se aglomeravam lentamente diante de seus armários. Torrance veio na direção oposta em que Dean se afastava, ela lançou um olhar estranho para ele e continuou seu caminho, até Alicia.
        - Por que estava falando com ele?
        Ela não respondeu.
        - É um perdedor. Não deveria se misturar com pessoas assim.
        Alicia continuou fitando enquanto o rapaz se afastava em meio a uma pequena multidão que se alastrava, com milhares de pensamentos desconexos passando por sua cabeça. Torrance estalou os dedos diante de seu rosto algumas vezes.
        - Alô! Terra chamando Alicia!
        - Idiota...
        - O que? – Torrance guinchou.
        - Não você! Ele. – Alicia apontou para Dean, que havia parado para conversar com uma menina baixinha, de cabelos louros e cacheados e um óculos com armação grossa. Alicia sabia que ela se chamava Helena, mas nunca tinha tido a curiosidade de lhe perguntar o sobrenome – É um idiota, um grosso, um...
        - Já entendi.
        - Ridículo! Isso! Ele é um ridículo.
        - Espero que não estejam falando de mim, meninas. - As duas giraram por sobre os calcanhares, a tempo de verem Drew Ford se aproximando a passos lentos. O casaco vermelho-sangue, com detalhes negros, combinava completamente com o uniforme das líderes de torcida daquela escola e tinha o nome Ford escrito em letras grandes e negras em suas costas.
        - Não. Não era sobre você, Drew – Alicia murmurou, cruzando seus braços.
        - Mas se a carapuça serve – Torrance acrescentou amavelmente, dando dois tapinhas consoladores no braço forte de Drew. Ele revirou seus olhos e andou mais um pouco, deixando Torrance para trás e indo na direção de Alicia.
        Segurou o rosto da garota com as duas mãos e levou seus lábios de encontro aos dela.
        Alicia sorriu ao sentir o gosto do beijo de seu namorado. Recostou-se no armário do garoto que ela ainda achava incrivelmente idiota, Dean, e passou as mãos em torno do pescoço de Drew.
        - Arrumem um quarto, vocês dois. – Torrance murmurou, impaciente.
        Drew também sorriu, mas ao ouvir o que a melhor amiga de sua namorada havia dito. Ele não a soltou e ergueu uma das mãos diante do rosto da lourinha que fitava o casal com um tédio mortal estampado em suas expressões. Fez um gesto obsceno.
        - Tire essa sua mão da minha frente – Torrance exclamou, irritada. Ela abriu sua bolsa cor-de-rosa de marca e retirou de dentro um caderno aberto. – Al, você deixou isto na sala.
        Alicia desgrudou seus lábios dos de Drew por um breve instante. Olhou de soslaio para o caderno que Torrance segurava por entre seus dedos de unhas pintadas e empurrou o namorado suavemente. Era o caderno que ela havia rabiscado na aula de Arte. Havia apenas uma palavra, rabiscada diversas vezes, de jeitos diferentes, letras diferentes e tamanhos diferentes.

        Hector

        - Quem é Hector? – Drew perguntou, quando a namorada pegou seu caderno e permaneceu fitando-o por minutos a fio. Quando ela respondeu, sua voz pareceu confusa.
        - Ninguém.
        - Devo me preocupar?
        - Não. – ela murmurou, entregando o caderno a Torrance mais uma vez – Definitivamente não.
        O tomou nos braços novamente para mais um beijo.

quinta-feira, dezembro 3

2 - Alicia Check

Última frase do diário de Alicia Check.

“08 de Dezembro de 2009
Queria que jamais houvesse tentado escavar meu próprio passado.”


        Desde o momento que abrira os olhos naquela manhã, a garota de nome Alicia Check sabia que nada de bom poderia acontecer naquele dia. O dia estava nublado, com uma espessa névoa esgueirando-se pela janela semi-aberta do amplo quarto cor-de-rosa da menina.
        Ela se levantou pouco mais de dez minutos após o despertador fazer um escarcéu. Estava sentindo um pouco de dor-de-cabeça. Sentou-se tonta na beirada da cama, balançando as pontas dos pés contra os pêlos grossos do carpete branco que cobria todo o chão. Tentou se lembrar de alguma coisa que havia sonhado naquela noite, mas não lhe vinha nada concreto à mente. Apenas imagens distorcidas e palavras pela metade.
        Ela jogou os longos cabelos negros por sobre um de seus ombros, movimentando o pescoço lentamente para ambos os lados. Passou as mãos nos olhos, esticou-as para frente e finalmente se levantou, com seus passos firmes e leves ao mesmo tempo, caminhando em direção ao piso de mármore do banheiro de seu quarto.
        Durante o banho, ela tentou se lembrar mais uma vez do que havia sonhado.
        Nada coerente lhe veio à mente.
        Apenas um nome, que ela escreveu sem perceber com as pontas dos dedos no vidro embaçado do espelho. Não parou para lê-lo, apenas continuou caminhando com os pés descalços – e agora molhados – por sobre o piso frio do banheiro.
        Ela ligou o som na tomada, sem se importar em mexer com eletrônicos com os pés molhados e descalços. Colocou o volume no máximo e foi para seu quarto, de onde ainda podia ouvir o rock clássico dos anos 90 prestes a colocar as paredes abaixo.
        - Meu Deus, o que é isto?
        - Se você não sabe, se chama AC/DC – ela murmurou para a menina que havia acabado de entrar em seu quarto: Torrance.
        Torrance Wood era a melhor amiga de Alicia. Era baixinha, magricela, com lisos e compridos cabelos dourados, olhos escuros e grandes. Tinha uma pequena e delicada por sobre os lábios e a acidez de um limão recém colhido. Eram perfeitas uma para a outra.
        - Se você não percebeu... É esquisito.
        - Eu gosto. Devo ser que nem você e ouvir... Britney Spears?
        - É claro – Torrance exclamou, como se aquilo fosse um requisito básico que toda garota deveria ter – Meu bem, você é uma líder de torcida. Não uma drogada qualquer.
        - Não sou apenas uma líder de torcida, Tor, sou a capitã das líderes de torcida – Alicia murmurou, abotoando seu sutiã, enquanto Torrance andava pelo quarto da amiga, olhando suas unhas recém feitas.
        - Esta é a Al que eu conheço!
        - Sempre fui.
        - Você tem uma lixa de unha? – Torrance gemeu – Acabei de lascar um pedaço, e não posso aparecer na frente de Austin deste modo.
        - Na pia do banheiro.
        - Obrigada. Salvou minha vida.
        Torrance andou apressadamente em direção ao banheiro, os pés pequenos encaixados em sapatinhos vermelhos como a mini-saia que ela usava. Seus cabelos louros, presos, sumiram logo atrás dela.
        - Alicia?
        - Sim? – Alicia respondeu, sem olhar para o banheiro de onde a amiga a chamava. Estava ocupada demais tentando se lembrar se já havia usado alguma daquelas três blusas que tinha diante de si.
        - Quem é Hector?
        - Quem?
        - Hector.
        - Eu não conheço nenhum Hector.
        - Venha cá.
        - Ai, como você é chata, Tor! – Alicia exclamou, deixando cair as três blusas diante de si. Girou pelos calcanhares suavemente, enquanto praguejava, e foi andando até o banheiro cheio de fumaça no qual Torrance estava.
        Sentiu o cheiro perfumado de seu banho quente recém tomado. Viu Torrance segurando sua lixa cor-de-rosa em uma das mãos e apontando para o espelho com a outra. Escrito no vidro embaçado, com a letra da própria Alicia, havia um nome.

        Hector

        - Não tem nada para me contar?
        Ela continuou fitando aquele nome, com o cenho franzido e o pensamento a mil por hora. Tentava se lembrar quando havia escrito aquilo, onde havia ouvido este nome e quem diabos era Hector.
        - O sonho.
        Alicia saiu do banheiro lentamente, sendo acompanhada pela leve fumaça perfumada que havia sido resultada de seu banho. Torrance saiu logo depois, assistindo enquanto a amiga piscava confusamente e se sentava em sua cama.
        - Que?
        - Sonhei... Com Paris.
        - Espera... Paris foi onde você esteve, antes de se mudar para a Califórnia, não é?
        - É. Eu não me lembro de...
        - De nada. A não ser que foi encontrada no rio e tida como morta... Até levantar e sair andando do necrotério. Os documentos diziam que você era Alicia Check, 17 anos, origem grega. Apenas isto. E foi assim que você descobriu quem você poderia ser, e veio para cá.
        - Eu já lhe contei isto?
        - Milhões de vezes.
        - É... E eu tenho sonhado. Acho que estou me lembrando...
        - Epa, pode esperar aí. Há um motivo para você ter esquecido toda sua vida, Alicia. Talvez não seja o certo que você se lembre agora. Acredite, há milhares de coisas que eu esqueceria se pudesse.
        - Como o fato de ter dormido com Mike Hanlon?
        Torrance riu.
        - Isto principalmente.
        Alicia riu também.
        - Eu só me preocupo com você, Al... Não quero que descubra coisas ruins sobre você mesma. Às vezes o esquecido é para continuar assim... – Torrance murmurou, agora séria.
        - Você acha que meu passado pode ser tão ruim assim?
        - Para você se esquecer de dezessete anos em um piscar de olhos? Sim. Acho.
        Alicia olhou para cima, onde um pequeno lustre repleto de cristais cor-de-rosa se estendia esplendoroso. Olhou em seguida para Torrance, com suas bochechas rosadas e seus cabelos louros presos no alto da cabeça. Pensou que, mesmo que seu passado fosse o mais terrível o possível, ela ainda iria querer saber. Queria saber quem era.
        - Olhe só para você... Já estamos atrasadas e você ainda está longe de ficar pronta. Vá se maquiar. Eu escolho sua roupa por hoje.
        - Obrigada, Tor...
        - Apenas me preocupo, Al...
        Elas se abraçaram carinhosamente. Tinham uma a outra.