Última frase do diário de Alicia Check.
“08 de Dezembro de 2009
Queria que jamais houvesse tentado escavar meu próprio passado.”
Desde o momento que abrira os olhos naquela manhã, a garota de nome Alicia Check sabia que nada de bom poderia acontecer naquele dia. O dia estava nublado, com uma espessa névoa esgueirando-se pela janela semi-aberta do amplo quarto cor-de-rosa da menina.
Ela se levantou pouco mais de dez minutos após o despertador fazer um escarcéu. Estava sentindo um pouco de dor-de-cabeça. Sentou-se tonta na beirada da cama, balançando as pontas dos pés contra os pêlos grossos do carpete branco que cobria todo o chão. Tentou se lembrar de alguma coisa que havia sonhado naquela noite, mas não lhe vinha nada concreto à mente. Apenas imagens distorcidas e palavras pela metade.
Ela jogou os longos cabelos negros por sobre um de seus ombros, movimentando o pescoço lentamente para ambos os lados. Passou as mãos nos olhos, esticou-as para frente e finalmente se levantou, com seus passos firmes e leves ao mesmo tempo, caminhando em direção ao piso de mármore do banheiro de seu quarto.
Durante o banho, ela tentou se lembrar mais uma vez do que havia sonhado.
Nada coerente lhe veio à mente.
Apenas um nome, que ela escreveu sem perceber com as pontas dos dedos no vidro embaçado do espelho. Não parou para lê-lo, apenas continuou caminhando com os pés descalços – e agora molhados – por sobre o piso frio do banheiro.
Ela ligou o som na tomada, sem se importar em mexer com eletrônicos com os pés molhados e descalços. Colocou o volume no máximo e foi para seu quarto, de onde ainda podia ouvir o rock clássico dos anos 90 prestes a colocar as paredes abaixo.
- Meu Deus, o que é isto?
- Se você não sabe, se chama AC/DC – ela murmurou para a menina que havia acabado de entrar em seu quarto: Torrance.
Torrance Wood era a melhor amiga de Alicia. Era baixinha, magricela, com lisos e compridos cabelos dourados, olhos escuros e grandes. Tinha uma pequena e delicada por sobre os lábios e a acidez de um limão recém colhido. Eram perfeitas uma para a outra.
- Se você não percebeu... É esquisito.
- Eu gosto. Devo ser que nem você e ouvir... Britney Spears?
- É claro – Torrance exclamou, como se aquilo fosse um requisito básico que toda garota deveria ter – Meu bem, você é uma líder de torcida. Não uma drogada qualquer.
- Não sou apenas uma líder de torcida, Tor, sou a capitã das líderes de torcida – Alicia murmurou, abotoando seu sutiã, enquanto Torrance andava pelo quarto da amiga, olhando suas unhas recém feitas.
- Esta é a Al que eu conheço!
- Sempre fui.
- Você tem uma lixa de unha? – Torrance gemeu – Acabei de lascar um pedaço, e não posso aparecer na frente de Austin deste modo.
- Na pia do banheiro.
- Obrigada. Salvou minha vida.
Torrance andou apressadamente em direção ao banheiro, os pés pequenos encaixados em sapatinhos vermelhos como a mini-saia que ela usava. Seus cabelos louros, presos, sumiram logo atrás dela.
- Alicia?
- Sim? – Alicia respondeu, sem olhar para o banheiro de onde a amiga a chamava. Estava ocupada demais tentando se lembrar se já havia usado alguma daquelas três blusas que tinha diante de si.
- Quem é Hector?
- Quem?
- Hector.
- Eu não conheço nenhum Hector.
- Venha cá.
- Ai, como você é chata, Tor! – Alicia exclamou, deixando cair as três blusas diante de si. Girou pelos calcanhares suavemente, enquanto praguejava, e foi andando até o banheiro cheio de fumaça no qual Torrance estava.
Sentiu o cheiro perfumado de seu banho quente recém tomado. Viu Torrance segurando sua lixa cor-de-rosa em uma das mãos e apontando para o espelho com a outra. Escrito no vidro embaçado, com a letra da própria Alicia, havia um nome.
Hector
- Não tem nada para me contar?
Ela continuou fitando aquele nome, com o cenho franzido e o pensamento a mil por hora. Tentava se lembrar quando havia escrito aquilo, onde havia ouvido este nome e quem diabos era Hector.
- O sonho.
Alicia saiu do banheiro lentamente, sendo acompanhada pela leve fumaça perfumada que havia sido resultada de seu banho. Torrance saiu logo depois, assistindo enquanto a amiga piscava confusamente e se sentava em sua cama.
- Que?
- Sonhei... Com Paris.
- Espera... Paris foi onde você esteve, antes de se mudar para a Califórnia, não é?
- É. Eu não me lembro de...
- De nada. A não ser que foi encontrada no rio e tida como morta... Até levantar e sair andando do necrotério. Os documentos diziam que você era Alicia Check, 17 anos, origem grega. Apenas isto. E foi assim que você descobriu quem você poderia ser, e veio para cá.
- Eu já lhe contei isto?
- Milhões de vezes.
- É... E eu tenho sonhado. Acho que estou me lembrando...
- Epa, pode esperar aí. Há um motivo para você ter esquecido toda sua vida, Alicia. Talvez não seja o certo que você se lembre agora. Acredite, há milhares de coisas que eu esqueceria se pudesse.
- Como o fato de ter dormido com Mike Hanlon?
Torrance riu.
- Isto principalmente.
Alicia riu também.
- Eu só me preocupo com você, Al... Não quero que descubra coisas ruins sobre você mesma. Às vezes o esquecido é para continuar assim... – Torrance murmurou, agora séria.
- Você acha que meu passado pode ser tão ruim assim?
- Para você se esquecer de dezessete anos em um piscar de olhos? Sim. Acho.
Alicia olhou para cima, onde um pequeno lustre repleto de cristais cor-de-rosa se estendia esplendoroso. Olhou em seguida para Torrance, com suas bochechas rosadas e seus cabelos louros presos no alto da cabeça. Pensou que, mesmo que seu passado fosse o mais terrível o possível, ela ainda iria querer saber. Queria saber quem era.
- Olhe só para você... Já estamos atrasadas e você ainda está longe de ficar pronta. Vá se maquiar. Eu escolho sua roupa por hoje.
- Obrigada, Tor...
- Apenas me preocupo, Al...
Elas se abraçaram carinhosamente. Tinham uma a outra.
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