quinta-feira, dezembro 3

2 - Alicia Check

Última frase do diário de Alicia Check.

“08 de Dezembro de 2009
Queria que jamais houvesse tentado escavar meu próprio passado.”


        Desde o momento que abrira os olhos naquela manhã, a garota de nome Alicia Check sabia que nada de bom poderia acontecer naquele dia. O dia estava nublado, com uma espessa névoa esgueirando-se pela janela semi-aberta do amplo quarto cor-de-rosa da menina.
        Ela se levantou pouco mais de dez minutos após o despertador fazer um escarcéu. Estava sentindo um pouco de dor-de-cabeça. Sentou-se tonta na beirada da cama, balançando as pontas dos pés contra os pêlos grossos do carpete branco que cobria todo o chão. Tentou se lembrar de alguma coisa que havia sonhado naquela noite, mas não lhe vinha nada concreto à mente. Apenas imagens distorcidas e palavras pela metade.
        Ela jogou os longos cabelos negros por sobre um de seus ombros, movimentando o pescoço lentamente para ambos os lados. Passou as mãos nos olhos, esticou-as para frente e finalmente se levantou, com seus passos firmes e leves ao mesmo tempo, caminhando em direção ao piso de mármore do banheiro de seu quarto.
        Durante o banho, ela tentou se lembrar mais uma vez do que havia sonhado.
        Nada coerente lhe veio à mente.
        Apenas um nome, que ela escreveu sem perceber com as pontas dos dedos no vidro embaçado do espelho. Não parou para lê-lo, apenas continuou caminhando com os pés descalços – e agora molhados – por sobre o piso frio do banheiro.
        Ela ligou o som na tomada, sem se importar em mexer com eletrônicos com os pés molhados e descalços. Colocou o volume no máximo e foi para seu quarto, de onde ainda podia ouvir o rock clássico dos anos 90 prestes a colocar as paredes abaixo.
        - Meu Deus, o que é isto?
        - Se você não sabe, se chama AC/DC – ela murmurou para a menina que havia acabado de entrar em seu quarto: Torrance.
        Torrance Wood era a melhor amiga de Alicia. Era baixinha, magricela, com lisos e compridos cabelos dourados, olhos escuros e grandes. Tinha uma pequena e delicada por sobre os lábios e a acidez de um limão recém colhido. Eram perfeitas uma para a outra.
        - Se você não percebeu... É esquisito.
        - Eu gosto. Devo ser que nem você e ouvir... Britney Spears?
        - É claro – Torrance exclamou, como se aquilo fosse um requisito básico que toda garota deveria ter – Meu bem, você é uma líder de torcida. Não uma drogada qualquer.
        - Não sou apenas uma líder de torcida, Tor, sou a capitã das líderes de torcida – Alicia murmurou, abotoando seu sutiã, enquanto Torrance andava pelo quarto da amiga, olhando suas unhas recém feitas.
        - Esta é a Al que eu conheço!
        - Sempre fui.
        - Você tem uma lixa de unha? – Torrance gemeu – Acabei de lascar um pedaço, e não posso aparecer na frente de Austin deste modo.
        - Na pia do banheiro.
        - Obrigada. Salvou minha vida.
        Torrance andou apressadamente em direção ao banheiro, os pés pequenos encaixados em sapatinhos vermelhos como a mini-saia que ela usava. Seus cabelos louros, presos, sumiram logo atrás dela.
        - Alicia?
        - Sim? – Alicia respondeu, sem olhar para o banheiro de onde a amiga a chamava. Estava ocupada demais tentando se lembrar se já havia usado alguma daquelas três blusas que tinha diante de si.
        - Quem é Hector?
        - Quem?
        - Hector.
        - Eu não conheço nenhum Hector.
        - Venha cá.
        - Ai, como você é chata, Tor! – Alicia exclamou, deixando cair as três blusas diante de si. Girou pelos calcanhares suavemente, enquanto praguejava, e foi andando até o banheiro cheio de fumaça no qual Torrance estava.
        Sentiu o cheiro perfumado de seu banho quente recém tomado. Viu Torrance segurando sua lixa cor-de-rosa em uma das mãos e apontando para o espelho com a outra. Escrito no vidro embaçado, com a letra da própria Alicia, havia um nome.

        Hector

        - Não tem nada para me contar?
        Ela continuou fitando aquele nome, com o cenho franzido e o pensamento a mil por hora. Tentava se lembrar quando havia escrito aquilo, onde havia ouvido este nome e quem diabos era Hector.
        - O sonho.
        Alicia saiu do banheiro lentamente, sendo acompanhada pela leve fumaça perfumada que havia sido resultada de seu banho. Torrance saiu logo depois, assistindo enquanto a amiga piscava confusamente e se sentava em sua cama.
        - Que?
        - Sonhei... Com Paris.
        - Espera... Paris foi onde você esteve, antes de se mudar para a Califórnia, não é?
        - É. Eu não me lembro de...
        - De nada. A não ser que foi encontrada no rio e tida como morta... Até levantar e sair andando do necrotério. Os documentos diziam que você era Alicia Check, 17 anos, origem grega. Apenas isto. E foi assim que você descobriu quem você poderia ser, e veio para cá.
        - Eu já lhe contei isto?
        - Milhões de vezes.
        - É... E eu tenho sonhado. Acho que estou me lembrando...
        - Epa, pode esperar aí. Há um motivo para você ter esquecido toda sua vida, Alicia. Talvez não seja o certo que você se lembre agora. Acredite, há milhares de coisas que eu esqueceria se pudesse.
        - Como o fato de ter dormido com Mike Hanlon?
        Torrance riu.
        - Isto principalmente.
        Alicia riu também.
        - Eu só me preocupo com você, Al... Não quero que descubra coisas ruins sobre você mesma. Às vezes o esquecido é para continuar assim... – Torrance murmurou, agora séria.
        - Você acha que meu passado pode ser tão ruim assim?
        - Para você se esquecer de dezessete anos em um piscar de olhos? Sim. Acho.
        Alicia olhou para cima, onde um pequeno lustre repleto de cristais cor-de-rosa se estendia esplendoroso. Olhou em seguida para Torrance, com suas bochechas rosadas e seus cabelos louros presos no alto da cabeça. Pensou que, mesmo que seu passado fosse o mais terrível o possível, ela ainda iria querer saber. Queria saber quem era.
        - Olhe só para você... Já estamos atrasadas e você ainda está longe de ficar pronta. Vá se maquiar. Eu escolho sua roupa por hoje.
        - Obrigada, Tor...
        - Apenas me preocupo, Al...
        Elas se abraçaram carinhosamente. Tinham uma a outra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário