quarta-feira, dezembro 2

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        Sábado. Quatro horas da manhã.
        Não havia uma alma viva naquela rua.
        Apenas Alicia Check. Cambaleante pelo asfalto, seus pés descalços, os sapatos de festa seguros em uma das mãos, a seda branca do vestido balançando suavemente ao redor de suas pernas pálidas. Seus joelhos estavam repletos de cortes sangrentos que deixavam escapar grossas gotas escarlates, manchavam-lhe os tornozelos assim como suco em uma colcha branca. Com lágrimas escapando de seus olhos, ela pressionou com força a ferida em seu abdome e sentiu o sangue fluindo abundantemente por contra sua mão, alastrando-se lentamente por seu vestido.
        - Oh, merda – Alicia exclamou, sentindo uma dormência que se espalhada de sua ferida. Estava diante de casa. Sua casa há três anos. Ela tocou a campainha diversas vezes, de modo insistente e quase que desesperado, ofegando cada vez mais com a dor que se espalhava lentamente por todos os seus membros.
        Quando as luzes se acenderam, ela curvou-se por sobre a barriga ensangüentada, fitando de modo tonto enquanto um homem corpulento descia as grandes escadas de mármore da casa, trazendo consigo um grande molho de chaves.
        - Olá, pai – ela murmurou, rindo nervosamente, enquanto sua mão continuava a se empapar com seu sangue. Ele abriu o grande portão de ferro sem responder.
        Assim que ela entrou no jardim de sua casa, tropeçando por sobre as pernas machucadas, seu pai viu o sangue iluminado pela luz da lua. Sangue negro e viscoso como piche, escorrendo da barriga de Alicia e deixando um rastro pelo caminho que ela passava.
        - O que houve, filha?
        - Nada.
        - Como nada? Volte aqui!
        Ela se virou e estreitou os olhos.
        - Cale a boca e volte para sua cama. – murmurou entre dentes.
        Como se fosse um robô, ele piscou algumas vezes fitando a menina de modo confuso. Em seguida começou a andar sem dizer nada, deixando-a para trás, apenas com a companhia da luz da lua e de seu sangue que ficava negro por sob sua luz pálida e fria.
        Com uma dificuldade visível, e praguejando por não ter sequer pensado em mandar Jacob – seu pai – ajudá-la pelo ao menos a chegar até o segundo andar sem fazer com que parecesse que havia acontecido uma chacina naquele local. O sangue agora estava escorrendo de um modo incrivelmente preocupante. Até mesmo para Alicia Check.
        Chegando em seu quarto, ela deixou cair os sapatos alaranjados por sobre o carpete branco de seu quarto. Conforme ela andava, uma trilha se formava por sobre o piso branco. Ele estava se tornando uma grande e viscosa poça de sangue fresco. Fitou por um instante o quarto repleto de fotos, pôsteres, pompons e bilhetinhos coloridos. Não reparou em nada especial, apenas andou desconfortavelmente até a penteadeira branca.
        Torrance dissera que aquilo era vintage.
        Alicia não se importava com isso agora.
        Estava morrendo, apesar de ter dito a si mesma que era imortal há poucas horas. E se ela morresse, ele morreria também.
        O espelho em seu quarto era apenas um modo de fazê-la acreditar que era humana, todos os dias, enquanto vestia alguma roupa para a escola e se arrumava. Era reconfortante pensar que ela não era apenas mais uma aberração que mal se lembrava de sua vida.
        Ela fitou a si mesma, incrivelmente pálida e doente. Elevou uma das mãos, para retirar algumas mechas de seus cabelos compridos e negros de defronte seu rosto, mas as viu, refletidas diante de si. Estavam encharcadas.         Estavam vermelhas. Estavam cheias de sangue.
        Prostrando-se ao chão com uma das mãos ainda pressionada contra a profunda ferida em sua barriga, Alicia Check se entregou aos gritos. A vizinha da frente, que estava ocupada pegando um copo de leite para conseguir dormir, mais tarde diria aos policiais o quão assustados e desesperadores pareceram os gritos da herdeira única dos Check. Ela gritava, e também chorava. Não pela dor, não pelo que havia acontecido, não por perceber naquele momento que ela era tão mortal quanto qualquer ser humano que ela já havia conhecido. Alicia gritava por saber que o levaria junto. Para onde quer que ela fosse.
        Ela caiu. Tudo silenciou-se.
        Seu rosto pálido e frio estava agora roçando contra os pêlos grossos e brancos de seu carpete. Entre as mãos, o celular que ela havia pego por sobre a penteadeira vintage
        Ela discou o número.
        Ele não atendeu.
        - Por favor. Por favor.
        Discou novamente.
        A voz do outro lado da linha parecia sonolenta e levemente aborrecida.
        - Alô?
        - Adam? – ela guinchou contra o telefone. O sangue continuava a escorrer pelo carpete.
        - Alicia? Céus, o que houve? São... Quatro horas e...
        Ela não disse mais nada. Apenas começou a chorar..
        - Alicia? O que houve? – Deitada no carpete do chão de seu quarto e imersa em suas lágrimas, Alicia quase podia ver em sua mente a cena de seu amigo se sentando por sobre a cama e franzindo o cenho. – Alicia!
        - Me perdoe.
        Ela desligou.

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