sábado, dezembro 5

3 - Hallway

        - Abram seus livros na página 337 – anunciou a Profª Egan, uma mulher ruiva, de cabelos crespos e espessos, baixa, gorda e com menos noções de moda que Lissa e Helena juntas. Ouviu-se o ruflar das páginas contra os dedos dos vinte alunos naquela sala, acompanhado por um burburinho.
        A professora caminhou em direção ao quadro negro e, em letras garrafais, começou a escrever. Respirou fundo e murmurou enquanto o giz deslizava pelo quadro suavemente:
        - Hoje iremos estudar a história da arte.
        - Chato – alguém ao fundo murmurou. Risos foram ouvidos.
        - Srtª Check, tem algo a nos acrescentar?
        Os risos continuaram.
        - Não... – Alicia respondeu, trocando um olhar divertido com Torrance.
        - Já esperava.
        A sala foi gradualmente mergulhando em seu silêncio habitual. Alguns alunos abaixaram suas cabeças e mergulharam em um sono entrecortados por algumas palavras que a professora pronunciava aos gritos. Outros olharam para a janela e mergulharam em seus pensamentos fúteis e limitados. Alicia abriu seu caderno em uma folha qualquer e deixou que o lápis passeasse por sua superfície branca. Torrance colocou seus fones de ouvido e passou a escutar o último sucesso de Britney Spears. Todos pareciam ter coisas mais interessantes a fazer, todos com a possível exceção de Adam McCoy. Ele mantinha seus olhos fixos na Profª Egan, acompanhando de modo fissurado a cada palavra que ela dizia.
        - Ei, Al?
        Alicia retirou os olhos do caderno rabiscado diante de si e fitou os olhos escuros de Josh Connor. Ele tinha um grande sorriso nos lábios, e um canudo colorido por entre os dedos. Em cima da mesa de Josh, haviam papéis rasgados e um vidro de cola aberto.
        - Saca só – ele murmurou, levando o canudo à boca e mirando na nuca de um dos rapazes sentados à frente. Este tinha cabelos bagunçados, castanhos, usava uma blusa preta de banda e tinha seus fones de ouvido no volume máximo.
        Josh colocou a boca em uma ponta do canudo e soprou com toda a força de seus pulmões. Uma bolinha de papel amassado, repleta de cola escolar – e também com um pouco de cuspe – voou rapidamente pela sala, e se enterrou na nuca do garoto.
        Este deixou escapar um palavrão tão terrível, que a própria Torrance retirou seus fones de ouvido, no qual Britney gemia mais uma de suas músicas. A maioria dos alunos ergueu a cabeça para fitar a expressão severa da Profª Egan, que parecia ter levado um tapa na cara.
        - Dean Windsor – ela bufou. Por um breve instante, Alicia achou que a professora teria um AVC no meio da sala de aula. – Fora. Agora!
        Alguns risinhos percorreram o fundo da sala, quando Dean se levantou e andou de modo irritado em direção à porta. A professora Egan poderia até perfurar seu corpo magricela, se quisesse, apenas com o olhar que estava lançando. Antes de sair pela porta, porém, ele fitou demoradamente os alunos do fundo da sala. Seus olhos passaram por Josh Connor, que mantinha o canudo colorido balançando divertidamente por sobre seus dedos compridos, por Torrance, que já havia baixado sua cabeça novamente e escutava Madonna – só para variar um pouco – e pousaram em Alicia, que o olhava de modo preocupado.
        Pensou o quanto todos eles eram infantis.
        E saiu.
        - Você curtiu? – Josh perguntou a Alícia, um sorriso surgindo em seus lábios.
        - Cresça, Josh – ela murmurou, revirando os olhos. Em seguida ergueu uma das mãos. - Professora, posso ir ao banheiro?
        - Não se dê ao trabalho de voltar, Srta. Check – a professora murmurou, passando as mãos por seus cabelos crespos e ruivos. Estava irritada por ter sido interrompida pela segunda vez naquela mesma aula.
        - Com todo prazer – Alicia murmurou, levantando-se de sua cadeira e colocando sua bolsa por sobre os ombros. Saiu sem olhar para trás. Nem para Torrance, nem para Josh, nem para a Profª Egan. Nem mesmo para o menino magricela da primeira carteira, que acompanhava seus movimentos com o olhar.
        O corredor estava praticamente vazio. A não ser por Dean Windsor, que arrastava-se preguiçosamente, trazendo sua mochila atrás de si. Ele parou diante de um das centenas de armários verdes que coloriam consideravelmente o extenso corredor, e o abriu, girando algumas vezes o cadeado. Enquanto ele guardava seus livros de Arte cuidadosamente, Alicia passou a mão pelos cabelos e se aproximou.
        Ela ficou alguns instantes atrás dele, fitando sua nuca suja de cola. Olhou para o armário no qual ele mexia, decorado com alguns pôsteres dos Beatles. Ela recostou no armário ao lado dele.
        - Eu gosto dos Beatles.
        Dean se sobressaltou e encarou a menina com uma feição confusa. Não disse nada.
        - Me desculpe, por Josh. Ele é...
        - Apenas um popular qualquer, querendo a admiração de seus coleguinhas, também populares e fúteis. É, eu sei. – ele respondeu com uma voz rouca.
        - Eu iria dizer infantil...
        - Se me importasse com tudo o que vocês populares já fizeram a mim, já teria saído desta escola há tempos – ele murmurou, fechando seu armário com força. Alicia o fitou sem saber ao certo o que dizer.
        - Nós, populares? Não acha que está generalizando?
        - É o que eu faço.
        - Não somos todos assim.
        - Ah, claro. – ele respondeu com sarcasmo.
        - Por que está me tratando deste modo?
        - Ah, me desculpe, princesinha. Você está sempre acostumada a ser amada por todos ao seu redor, não é mesmo?
        - Eu...
        - E por que está falando comigo? Para se sentir melhor, já que seus amiguinhos zoaram com um perdedor? Ah, claro. Esta desculpa não cola comigo. E não me importa se você seja Alicia Check, ou até mesmo Angelina Jolie. Continua sendo uma deles. Popular, fútil e infantil.
        - Você está me julgando? – ela estreitou os olhos. – Porque eu odeio que me julguem.
        - Apenas uma conclusão que eu tirei ao longo dos anos.
        - Você não sabe nada sobre mim.
        Dean deixou escapar uma risada sarcástica e murmurou um ‘É claro’. Em seguida, jogou sua mochila novamente por sobre o ombro e deu as costas para Alicia. Foi embora sem dizer mais nada, ou olhar para trás.
        Ela percebeu, indignada, que o sinal havia batido, e que as pessoas se aglomeravam lentamente diante de seus armários. Torrance veio na direção oposta em que Dean se afastava, ela lançou um olhar estranho para ele e continuou seu caminho, até Alicia.
        - Por que estava falando com ele?
        Ela não respondeu.
        - É um perdedor. Não deveria se misturar com pessoas assim.
        Alicia continuou fitando enquanto o rapaz se afastava em meio a uma pequena multidão que se alastrava, com milhares de pensamentos desconexos passando por sua cabeça. Torrance estalou os dedos diante de seu rosto algumas vezes.
        - Alô! Terra chamando Alicia!
        - Idiota...
        - O que? – Torrance guinchou.
        - Não você! Ele. – Alicia apontou para Dean, que havia parado para conversar com uma menina baixinha, de cabelos louros e cacheados e um óculos com armação grossa. Alicia sabia que ela se chamava Helena, mas nunca tinha tido a curiosidade de lhe perguntar o sobrenome – É um idiota, um grosso, um...
        - Já entendi.
        - Ridículo! Isso! Ele é um ridículo.
        - Espero que não estejam falando de mim, meninas. - As duas giraram por sobre os calcanhares, a tempo de verem Drew Ford se aproximando a passos lentos. O casaco vermelho-sangue, com detalhes negros, combinava completamente com o uniforme das líderes de torcida daquela escola e tinha o nome Ford escrito em letras grandes e negras em suas costas.
        - Não. Não era sobre você, Drew – Alicia murmurou, cruzando seus braços.
        - Mas se a carapuça serve – Torrance acrescentou amavelmente, dando dois tapinhas consoladores no braço forte de Drew. Ele revirou seus olhos e andou mais um pouco, deixando Torrance para trás e indo na direção de Alicia.
        Segurou o rosto da garota com as duas mãos e levou seus lábios de encontro aos dela.
        Alicia sorriu ao sentir o gosto do beijo de seu namorado. Recostou-se no armário do garoto que ela ainda achava incrivelmente idiota, Dean, e passou as mãos em torno do pescoço de Drew.
        - Arrumem um quarto, vocês dois. – Torrance murmurou, impaciente.
        Drew também sorriu, mas ao ouvir o que a melhor amiga de sua namorada havia dito. Ele não a soltou e ergueu uma das mãos diante do rosto da lourinha que fitava o casal com um tédio mortal estampado em suas expressões. Fez um gesto obsceno.
        - Tire essa sua mão da minha frente – Torrance exclamou, irritada. Ela abriu sua bolsa cor-de-rosa de marca e retirou de dentro um caderno aberto. – Al, você deixou isto na sala.
        Alicia desgrudou seus lábios dos de Drew por um breve instante. Olhou de soslaio para o caderno que Torrance segurava por entre seus dedos de unhas pintadas e empurrou o namorado suavemente. Era o caderno que ela havia rabiscado na aula de Arte. Havia apenas uma palavra, rabiscada diversas vezes, de jeitos diferentes, letras diferentes e tamanhos diferentes.

        Hector

        - Quem é Hector? – Drew perguntou, quando a namorada pegou seu caderno e permaneceu fitando-o por minutos a fio. Quando ela respondeu, sua voz pareceu confusa.
        - Ninguém.
        - Devo me preocupar?
        - Não. – ela murmurou, entregando o caderno a Torrance mais uma vez – Definitivamente não.
        O tomou nos braços novamente para mais um beijo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário